sexta-feira, 19 de novembro de 2010

tenho saudades tuas, marta

Hoje talvez ver como se sente o Tejo depois da chuva, faz algum tempo que me sento e o admiro. Sentado no sofá da sala, computador em cima das pernas, imagino-o, encrispado em espirros, de alguma maneira sempre mais frio do que seria de esperar, sempre menos romântico e mais real. Tão menos inspirador da escrita que levo na intenção que da lágrima que engulo em seco, já não sei como se escreve. Devia estar feliz e isso prende-me os dedos. Devia estar feliz e não estou e tenho medo de o dizer, tenho vergonha. Não estou só e sinto-me só, porque só a mim ninguém conhece, só a mim ninguém diz que o Tejo é como tenho sede dele, só a mim não deslumbra e não perdoa em noites como esta. Só a mim não gela como aos mendigos para que possa estar confortavelmente apiedado de mim, que estou de barriga demasiado cheia e tenho um computador em cima da pernas.
Eu, eu, eu. Embebido que estou no egocentrismo da minha condição, misturavam-se nele as lágrimas e ninguém mas via, se as vertesse, por direito ou vontade. Não tenho um, não sei do outro, e é parvo chorar sem sentido.


É parvo chorar sem sentido. Ia desenvolver esta ideia, mas aparentemente os meus neurónios sinapsam em rede e não em cadeia. Agora, o facto de ter sentido necessidade de explicar a repentina mudança de assunto (assunto que, já agora, abandonou a minha criatividade tão repentinamente quanto a interrompeu) acabou de me fazer chegar a uma conclusão para a qual me vinha inclinando há já algum tempo - já não sei escrever. E porquê? Porque deixei de escrever como um acto nobre de concepção e comecei a importar-me com os predicados que me haveriam de ser tecidos por quem tivesse a honra, arte e ousadia de me ler. De alguma forma, vim a dar comigo mesmo estatelado tão longe de um e de outro que nem sei onde fica este antro de carência, inibição, apoplexia e self-nojo onde como um caixa de gelado, vejo televisão e sinto pena do meu espírito atrofiado.
Porque é que é parvo chorar sem sentido?
Pelas razões óbvias. Porque é que não choro, se me sei tão mais parvo do que pensa quem vê mais de parvo em mim, porque é que não choro se não faço sentido?
Bem, talvez seja mais fácil saber-me parvo para poder fazer parvoíces, talvez seja mais fácil não fazer sentido para não ter que me levantar do sofá. Não sei se é esta a solução, mas vou tentar: Preciso de ajuda. Preciso mesmo de ajuda.




Miguel de Miguel

sábado, 13 de novembro de 2010

Carta ao meu amor.


Queria tanto escrever-te um poema de amor daqueles que se lançam das torres dos castelos, que vão com o vento e tangem mais a alma que as folhas que tingem do sangue de que tingiriam se ousasse eu castigar as palavras que não te fazem justiça.
Queria tanto escrever-te um poema de amor, sentado no horizonte à noite, a Lua lá num cima inatingível, tingindo de si o mar em que eu escrevia como quem tange uma oração, como quem se lhe adicionasse em cada lágrima que chorasse por cada beijo que não te roubasse, em cada poema de amor que te escrevesse e, por te não poder tocar, te amasse.
Queria tanto escrever-te um poema de amor que me envenenasse de desgosto, que se fizesse imortal pelo tempo, infindamente à procura de um rosto teu que nunca, nunca, nunca encontrasse.
Queria tanto escrever-te um poema de amor daqueles de joelho no chão e coração na mãos, daqueles de fadas e trovadores e de lágrimas. Mas tocas-me a mim como o sol de cedo à manhã que se espreguiça, aquecendo cada poro do meu dia. Queria tanto fazer-te um poema sentado na beira do passeio, à noite, mas tu sorris e não me lembro de como se escreve o sofrimento e danças comigo como se eu valesse a pena.

olá outra vez :)

sábado, 2 de outubro de 2010

Esta é a história da minha vida, contada como a contaria há muito tempo, aparentemente muito mais, quando havia mais por trás das palavras e para além disso ainda uma miríade de outras coisas.

O incrível é que é mentira. A vida está sempre preenchida, seja do que for, seja isso mais ou menos ou nada, coisas são coisas e dedicamo-nos tanto mais a elas quanto menos são - e isto vale tudo ao contrário, e aí é que está o problema deste taralhoco em particular.
A verdade (é só uma expressão, a sério, não acredites) é que me descuidei de mim.
Quando nada tinha que não eu, escavei profundos alicerces da profundeza da solidão em que me encontrava, construí um santuário impenetrável de predicados forrado a ouro, pintei-lhe um cenário de azul e umas montanhas negras ao fundo, bem longe, lá, muito perto do passado. Foi a minha obra prima. Chamei-lhe Palácio das Trégoas. Ao décimo quarto dia, que a deus foi possível em sete e ai de mim querer com ele competir, descansei. Ao meio dia do décimo quinto, vinha lá no horizonte uma multidão. Chegaram, entraram, falaram e riram-se e choraram e todos apreciaram a beleza do meu palácio maravilhoso. E muitos o gabaram e eu gabei-o a todos. Poucos viram o meu quarto e nenhum ficou.

Um dia (segundo a Lei dos Pacotinhos de Açucar, hoje é o dia), senti-me só durante imenso tempo. E entende-me, não agora, nem ontem, nem há um ano. Senti-me só porque ninguém vive comigo, neste palácio. Porque deixei de me ocupar dele, de lhe limpar o pó e de pintar os rodapés, até que a fachada passou a ser a principal atracção e a única parte de que me ocupo, para receber as visitas. Fartei-me e fugi (e aqui começo mesmo a mentir - estou há tempo demais no palácio, as minhas pernas atrofiaram de não fazer exercício). Não fugi pela frente, onde toda a gente me ia ver, mesmo que não me fossem seguir - estavam ali para ver a obra prima, remember?
Não, fugi para as montanhas, lá atrás, lá ao fundo. E quando olho para trás pela enésima vez, porque os cobardes e os homens sensatos olham sempre para trás, qual deles sou eu, vejo pela primeira vez a minha obra prima. E não se me apresenta com o nome que lhe dei e aí percebo, com uma gargalhada triste, que nem os erros ortográficos são só erros ortográficos, que o meu glorioso "Palácio das Trégoas" foi só um palácio ao ego. Abandono então, de vez, a fachada épica e o negligenciado interior e fujo em direcção ao passado onde fui triste, às montanhas que me fizeram, para que me reparem. E caio num buraco que não tinha visto antes, curioso...

Tentando redescobrir-me,
Miguel de Miguel