sábado, 24 de abril de 2010

Das Weisse Band

Pretas papitações assombram o fundo de cada escolha que ficou, no tempo, inerte.
Segregam-se de mim, comigo, para o medo mais fundo do fundo de mim, onde olhos não querem chegar e a necrose dos nervos que não alimento impede o ar gélido de ser sentido, esse que se arrota do antro dos meus vícios mais putrídos e que me sobe à cabeça nas horas tardias de uma noite que chega nos braços da lógica de um assassino.
Acorrenta-me ao vórtex vazio das órbitas em espiral. E, em espiral, à boca deformada e ao sussuro da morte certa que penetra como um mantra cada vibração da minha defeituosa existência. Embarga-me os movimentos em espasmos cronicamente perfeitos e cronologicamente mais completamente sádicos, na destreza de quem, de cansaço, vomitou a alma e a cedeu, por duas horas de sono, ao diabo.
Choco e indigno e horrorizo e tiro disso o maior prazer, porque assim me ensinaram. E, quando choco e indigno e horrorizo, acenam-me o lenço branco que esconde no meu íntimo o preto das palpitações que assombram o fundo de outras escolhas que ficarão, no tempo, inertes. Outras, chocantes, indignantes e horrorizantes que, um dia, haverei, por eles, de tomar.

Das Weisse Band. Um retrato do que de pior existe em nós. Sem dúvida, um enorme filme.

terça-feira, 13 de abril de 2010

de que somos crianças. E depois, recusamo-nos a acreditar naquilo em que acreditamos. Sabemos os passos. Ainda assim, celebramos o despojo de propósito da dança oca, na tentativa de esquecer que passamos a parte maior do nosso tempo a bater caprichosa e simplesmente o pé no chão. Queremos, e não apenas isso; queremos consistentemente.
Vítima da voracidade que se impõe, a nossa existência amorfa delapida um mundo atrás do outro só porque carece de razões para, ela própria, existir. Uma gigantesca boca, com o único objectivo de ser meio para um incessante apetite, a única eventual saciedade na eventualidade de se engolir a si mesma.

Centrados na ébria cegueira do nosso umbigo de crianças mimadas, exigimos sentido ao mundo. Reclamamos lógica ao mundo, sem vergonha na figura em que nos apresentamos ao olhos do mundo, nus e desprovidos de lógica.

Mas é isto que somos.
E, muito de vez em quando, esquecemos de esperar algo tão lógico como um início ou um fim e somos capazes de sorrir por termos ainda que a ilusão de um nascer do sol. E esperamos que isso seja gratidão suficiente.

Nascemos.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Não sei quem ser. Não sei nem se quero ser mais que o pecado de quem, em mim, o vê. Ou a mão que esgravata o fundo da alma, mais que vazia, gastando-se em ofegantes ignições.
Vivo na rua e sou menos que a rua. Não sei sequer se o cheiro etílico do meu vómito faz de mim crente de que inexisto. Não sei se quero saber. Não me perturba se o tilintar leve da consistentemente leve moeda encomenda a deus, por intermédio da sombra que pareço arrastar pela rua, a expiação dos pecados de quem do seu peso se livra e do meu se finge carregar, em troca.

A rua sugou-me a alma. A rua tirou-me o nome e a cara. Destituiu-me da humanidade, de progénie e razão. Depois, foi meu pai e minha mãe e toda a minha espécie. A rua deixou-me ser o incómodo que dá valor à casa de quem por mim passa e se incomoda.

Não sei como me quero. Nem se me quero mais que um cheiro a suor e urina e a sola de sapato. Não sei para que quero mais linguagem que o grunhido que o frio e o bagaço puseram na minha boca, nem mais memória que a que me leva ao canto mais abrigado e com o chão menos duro.
Não sei para que sou, nem nunca me consegui decidir a deixar de ser.
Isto. É o que acho que sou quando mo dizem mas já não me recordo.
Não sei para que quero esquecer nem o que quero esquecer. Quase que nem sei já o tanto que doía poder lembrar.


Peço desculpa pela(s) ausência(s) prolongada(s). E peço desculpa pela presunção do princípio de que algum de vocês sente o menor desalento com isso lol. Como já disse, prometo que vou tentar publicar mais assiduamente.

Gostava de vos deixar um pensamento que tive hoje. Não olhem de baixo para o ghandi ou jesus cristo ou einstein, seja quem for que admirem. Acreditem e esforcem-se o suficiente para os chamarem de colegas :)