sexta-feira, 19 de novembro de 2010

tenho saudades tuas, marta

Hoje talvez ver como se sente o Tejo depois da chuva, faz algum tempo que me sento e o admiro. Sentado no sofá da sala, computador em cima das pernas, imagino-o, encrispado em espirros, de alguma maneira sempre mais frio do que seria de esperar, sempre menos romântico e mais real. Tão menos inspirador da escrita que levo na intenção que da lágrima que engulo em seco, já não sei como se escreve. Devia estar feliz e isso prende-me os dedos. Devia estar feliz e não estou e tenho medo de o dizer, tenho vergonha. Não estou só e sinto-me só, porque só a mim ninguém conhece, só a mim ninguém diz que o Tejo é como tenho sede dele, só a mim não deslumbra e não perdoa em noites como esta. Só a mim não gela como aos mendigos para que possa estar confortavelmente apiedado de mim, que estou de barriga demasiado cheia e tenho um computador em cima da pernas.
Eu, eu, eu. Embebido que estou no egocentrismo da minha condição, misturavam-se nele as lágrimas e ninguém mas via, se as vertesse, por direito ou vontade. Não tenho um, não sei do outro, e é parvo chorar sem sentido.


É parvo chorar sem sentido. Ia desenvolver esta ideia, mas aparentemente os meus neurónios sinapsam em rede e não em cadeia. Agora, o facto de ter sentido necessidade de explicar a repentina mudança de assunto (assunto que, já agora, abandonou a minha criatividade tão repentinamente quanto a interrompeu) acabou de me fazer chegar a uma conclusão para a qual me vinha inclinando há já algum tempo - já não sei escrever. E porquê? Porque deixei de escrever como um acto nobre de concepção e comecei a importar-me com os predicados que me haveriam de ser tecidos por quem tivesse a honra, arte e ousadia de me ler. De alguma forma, vim a dar comigo mesmo estatelado tão longe de um e de outro que nem sei onde fica este antro de carência, inibição, apoplexia e self-nojo onde como um caixa de gelado, vejo televisão e sinto pena do meu espírito atrofiado.
Porque é que é parvo chorar sem sentido?
Pelas razões óbvias. Porque é que não choro, se me sei tão mais parvo do que pensa quem vê mais de parvo em mim, porque é que não choro se não faço sentido?
Bem, talvez seja mais fácil saber-me parvo para poder fazer parvoíces, talvez seja mais fácil não fazer sentido para não ter que me levantar do sofá. Não sei se é esta a solução, mas vou tentar: Preciso de ajuda. Preciso mesmo de ajuda.




Miguel de Miguel

sábado, 13 de novembro de 2010

Carta ao meu amor.


Queria tanto escrever-te um poema de amor daqueles que se lançam das torres dos castelos, que vão com o vento e tangem mais a alma que as folhas que tingem do sangue de que tingiriam se ousasse eu castigar as palavras que não te fazem justiça.
Queria tanto escrever-te um poema de amor, sentado no horizonte à noite, a Lua lá num cima inatingível, tingindo de si o mar em que eu escrevia como quem tange uma oração, como quem se lhe adicionasse em cada lágrima que chorasse por cada beijo que não te roubasse, em cada poema de amor que te escrevesse e, por te não poder tocar, te amasse.
Queria tanto escrever-te um poema de amor que me envenenasse de desgosto, que se fizesse imortal pelo tempo, infindamente à procura de um rosto teu que nunca, nunca, nunca encontrasse.
Queria tanto escrever-te um poema de amor daqueles de joelho no chão e coração na mãos, daqueles de fadas e trovadores e de lágrimas. Mas tocas-me a mim como o sol de cedo à manhã que se espreguiça, aquecendo cada poro do meu dia. Queria tanto fazer-te um poema sentado na beira do passeio, à noite, mas tu sorris e não me lembro de como se escreve o sofrimento e danças comigo como se eu valesse a pena.

olá outra vez :)

sábado, 2 de outubro de 2010

Esta é a história da minha vida, contada como a contaria há muito tempo, aparentemente muito mais, quando havia mais por trás das palavras e para além disso ainda uma miríade de outras coisas.

O incrível é que é mentira. A vida está sempre preenchida, seja do que for, seja isso mais ou menos ou nada, coisas são coisas e dedicamo-nos tanto mais a elas quanto menos são - e isto vale tudo ao contrário, e aí é que está o problema deste taralhoco em particular.
A verdade (é só uma expressão, a sério, não acredites) é que me descuidei de mim.
Quando nada tinha que não eu, escavei profundos alicerces da profundeza da solidão em que me encontrava, construí um santuário impenetrável de predicados forrado a ouro, pintei-lhe um cenário de azul e umas montanhas negras ao fundo, bem longe, lá, muito perto do passado. Foi a minha obra prima. Chamei-lhe Palácio das Trégoas. Ao décimo quarto dia, que a deus foi possível em sete e ai de mim querer com ele competir, descansei. Ao meio dia do décimo quinto, vinha lá no horizonte uma multidão. Chegaram, entraram, falaram e riram-se e choraram e todos apreciaram a beleza do meu palácio maravilhoso. E muitos o gabaram e eu gabei-o a todos. Poucos viram o meu quarto e nenhum ficou.

Um dia (segundo a Lei dos Pacotinhos de Açucar, hoje é o dia), senti-me só durante imenso tempo. E entende-me, não agora, nem ontem, nem há um ano. Senti-me só porque ninguém vive comigo, neste palácio. Porque deixei de me ocupar dele, de lhe limpar o pó e de pintar os rodapés, até que a fachada passou a ser a principal atracção e a única parte de que me ocupo, para receber as visitas. Fartei-me e fugi (e aqui começo mesmo a mentir - estou há tempo demais no palácio, as minhas pernas atrofiaram de não fazer exercício). Não fugi pela frente, onde toda a gente me ia ver, mesmo que não me fossem seguir - estavam ali para ver a obra prima, remember?
Não, fugi para as montanhas, lá atrás, lá ao fundo. E quando olho para trás pela enésima vez, porque os cobardes e os homens sensatos olham sempre para trás, qual deles sou eu, vejo pela primeira vez a minha obra prima. E não se me apresenta com o nome que lhe dei e aí percebo, com uma gargalhada triste, que nem os erros ortográficos são só erros ortográficos, que o meu glorioso "Palácio das Trégoas" foi só um palácio ao ego. Abandono então, de vez, a fachada épica e o negligenciado interior e fujo em direcção ao passado onde fui triste, às montanhas que me fizeram, para que me reparem. E caio num buraco que não tinha visto antes, curioso...

Tentando redescobrir-me,
Miguel de Miguel

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Faz algum tempo

"Pertenço à espécie mais humilhante de cobardes.

Finjo que a minha passividade é um plano, escondo-me no fim do teu ângulo de visão, com a desculpa de te poderes habituar a mim. Escondo na ponderação a estupidez da hesitação.
Sinto-me a escapar pelos teus dedos inconscientemente livres e depois finjo sentir que foste tu que perdeste.
Depois choro porque não me conheces e nunca te deixei conhecer-me. Choro porque não me escolheste e nunca me fiz uma escolha. Choro porque me deixaste e nunca fui ter contigo. Choro a muita coragem que não tenho, quando pouca seria suficiente. Como um idiota, choro. E é assim que, a ti, me apresento.
Por ti, esqueço-me de mim, de que valho o que mereces. E depois choro porque não reconheces o valor que não te mostro.
E continuo, e finjo que sou cobarde, só para me desculpar continuar sem te dizer nada. Finjo que é compreensível porque és tão bonita.
Choro clandestinamente e amo-te clandestinamente, enquanto te observo no teu reino muito, muito distante."

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

um bicho escondido no meu fundo,
alimenta-se dos dízimos de mim,
sem fim, numa deplecção de quem javarda por capricho
um bocado esburacado de carne que mói em espasmos
como se ainda um coração,
é todo ele dedos, em todas as direcções,
agora na calma dos teus olhos verdes,
agora na frescura dos dois céus com que vês,
agora na doçura sorridente de chocolates,
agora no negrume da verdade dum par de beijos de azeviche,
nacos de mim que se vão, se não mingo é porque me preenche de um tu que ainda não existe,
agora um naco de toque demorado que não sentiste,
agora a Lua,
quanto não queixaria se falasse do que quisesse quanto lhe cobro que fala de ti,
há-de saber onde estás, logicamente quem lá está sou eu,
na Lua,
que este bicho já terias tu desmentido se contigo se encontrasse,
destoa sempre a imitação do original, seja um olhar ou um estilo de escrita
e, de resto, a ti ou ao Saramago, atribua-se o seu a seu dono.


"Ensaio sobre um morto"

terça-feira, 20 de julho de 2010

UCI - contacto

Escrevo na companhia de quem está noutro lugar, ou não lugar. E não sabe que cá está, comigo. Insensibilizo-me da existência dos batimentos mecânicos, sibilantes químicos pateticamente controlados na orgânica de uma sinfonia de tubos e líquidos.
Assoo um lamento e desinfecto-me dele, que não há cá espaço para isto. Cá, só há lúmen para quem está de saída e para quem convence a ficar, gentilmente, mas por força. E eu estou. Sem mais que fazer, escrevendo um penso à alma.
Agora, uma pausa para comer, interromper a apneia do ar demasiado limpo. E se não se respira por vontade, é por medo de aspirar algum último suspiro, que teima contra a teima de quem inventa a alquimia de só mais um, uma e outra e outra vez.

Descubro o quanto mais somos, porque quanto mais podemos. Até amanhã.

sábado, 26 de junho de 2010

O último reduto

Nascer-se ângulo em linhas rectas.
Rebentar-se acutilantemente, rasgar os padrões crónicos do mundo.
Espumando da boca a teima de quem vai arrancar o passado
Às sementeiras secretas do fundo de uma mente bem mais louca,
Envenenar a insanidade ordenada que não veio. Ainda.
Um berro épico, o último berro.
O último choro que explode na garganta rouca e morre.
E não finda.

Brota fogo nos meus ossos. Faço-os de ferro quente
Contundentemente empunhado na ameaça apoteótica
De um sol negro a nascer para o último dia de mim.
Brota fogo, e choram lavas de raiva
Os dois olhos de um só que é sem fim
Porque se lança, de dentes e escória,
E se faz indigesto e difícil de engolir
À ácida torrente maremótica que,
De insurreição a memória,
Se mostra incapaz de um devasso digerir.

Assim se vive numa psique anormal.
Assim se faz eterno um mortal.
Combate como quem fosse guerreiro.
Assim se mantém vivo um herói verdadeiro,
Na honra que obriga a colidir e a morrer.


a poesia já fazia falta, não acham?

segunda-feira, 14 de junho de 2010

um proscrito

Há muito tempo que não sentia uma tristeza assim, tão completa. Esfaqueia-me entre as costelas, enche-me os pulmões e não me deixa lamentar o ar que não entra. Alimenta-me e veste-me de uma nudez frágil com que me agarro com cada molécula a uma ligação, uma ligação qualquer. Como um idiota, corro dos meus pensamentos como quem corre por gosto, mas o chão é duro, a meta inglória e o bater do coração no peito cada vez mais irritante. Fujo-lhe, como um idiota, e bate com cada vez mais força, cada vez mais depressa. Num tropeção, dou comigo caído num choro de criança. Sangro uma dor que não sei de onde vem. Passam e olham. Alguns perguntam-me se quero ajuda. Não sei para quê. Não sei como lhes digo que os amo, que os amo tanto que me dá vontade de chorar, que sei que não é normal, que está tudo bem à mesma. Que nem tudo tem que ser normal. Passam e olham e eu suplico. E fazem sempre a mesma careta de indignação e de medo. E vão-se. Alguns, esperam que vá atrás deles. Não sei para quê.

 
Derramado numa berma, pede ajuda e não sabe a quem. Pede ajuda a quem passa e não sabe bem para quê. Deixa estar, é louco. É louco.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Era uma vez uma história.
Era uma vez muitos sonhos que viviam muito felizes dentro de um pequenino corpo, roliço e rechonchudo. Às vezes acordavam, levantavam-se de mansinho e, pé ante aveludado pé, contornavam as duas grandes avelãs e flutuavam pelo ar, invisíveis a quem não procurasse o brilho encantado que deixavam nos olhos do pequenote. Depois, iam até ao espaço, desenhavam-se nas estrelas e vestiam fatos de astronauta com capacete e tudo. Mas mantinham-se longe do Sol, para não se queimarem. Um sonho queimado é um problema gravíssimo!
Aprendiam os nomes dos planetas e sabiam quais eram os mais bonitos e quais os mais feios. Ficavam longe do Vénus, que tinha um ácido no ar que lhes estragava o cabelo e os dentes, e também (por algum motivo) nunca iam a Marte, mas gostavam muito de ir à Lua e ficar a ver a Terra de cima. Então, aprendiam os nomes dos países e sabiam que podiam ver a muralha da China, mesmo que nunca tenham tido tempo de a ver.

Depois chovia, e eles apanhavam boleia e riam muito alto ao bater nas bochechas gordas. De vez em quando, numa gota de chuva mais pesada, caíam com muita força nos olhos e aleijavam-se. Então, escorregavam dos olhos para as bochechas gordas e ficavam muito, muito tristes e choravam muito, mas depois passava.

Uma vez, encontraram uma luzinha com um brilho muito bonito. E ela cheirava a areia molhada na pele, a sumo de pêra bebido de um copo, com as duas mãos, falava de um sorriso tímido e um estalo de beijinho quente na bochecha.
Então, de cada vez que iam ao espaço, todas as estrelas eram aquela luzinha, todos os planetas tinham aquela areia, mas seca, que não há água nos outros planetas – e os sonhos bem sabiam como às vezes tinham sede. E, quando tinham sede, lembravam-se do suminho de pêra fresquinho e, antes de ir para casa bebê-lo, sentavam-se na Lua, um bocadinho. Era como se a luzinha estivesse ali, para lhes dar a mão e mostrar onde era, afinal, a muralha da China. Na pouca gravidade da Lua, sentiam o peso de uma pequenina cabeça sobre o ombro, o calor do Sol como um beijinho tímido na bochecha. E diziam – quando for mais crescido, vou fingir que já não venho ao espaço, porque eles não acreditam nessas coisas, e que não sei que caminho seguem as coisas. Vou brincar com eles para que me levem a sério. Um dia, quando tiver idade para que me levem a sério, vou ser o rei do universo, só para poder reservar um lugar para ti aqui, comigo, na Lua. Quando tiver idade, vou a Marte – porque é ridículo uma criança pequena saber dizer que vai amar alguém. Não é?

É quando vejo quanto cresci que espero estar à altura do que já fui. O plano, esse, mantém-se.

domingo, 30 de maio de 2010

podes saltar para o penúltimo parágrafo


Ele viu-a e foi o suficiente. Seja quando for que se venha a esquecer dela.
Não a ama, mas há alguma coisa nos olhos e quer defini-la. Mentiu demasiado para gostar de segredos. Ou então, vive por eles e morre com eles. E ainda assim, tem que a descobrir, que a analisar, tem que a conhecer e ter a certeza de que não sabe o que quer dela.
Não faz sentido que uma aventura em Paris se adeqúe quando um beijo é íntimo demais, que o mais vulgar dos encontros faça desesperar por mais um. Há alguma coisa ali. Há um sorriso triste e um segredo para descobrir. Há uma genuinidade em que não quer acreditar e uma vontade de continuar incrédulo. E não a ama. Nunca teria medo de admiti-lo, muito menos agora.

 Há uma voz que não se cala, na occipitalidade de um murmúrio, que insinua coisas absurdas.
Para quem se apercebe, a diferença entre ser corajoso e não ter o que perder reside no medo, não é senão um motivo ou a falta de motivo, para cada uma das duas causas. Apesar de terem o mesmo efeito, para quem se apercebe, a diferença é surpreendente.
Se a coragem pede que se assuma o que se tem a dizer, ele escolhe todos os dias a cobardia. Todos os dias, menos neste.

Talvez não o admita (o amor, digo) porque tenha algo a perder. Talvez esteja a pensar a sério afastar a própria diferença, se isso impedir que a sua aparente psicose a assuste. Ela, para que entendamos a quem me refiro. Ela fumou-o de um trago e deixou-se sentada, porque é isso que ela faz. Ela foi natural, foi directa e normal e mexeu-se do seu lugar apenas o suficiente para lhe mostrar que viu e não se comove, um pouco como um filme de sábado à tarde que não faz trocar a noite de dança por um serão de sequela.

A primeira coisa que aprendeu sobre ele é que sofre de uma constante falta de atenção. Ou resistência à atenção. Que o seu ego tira o chapéu e rouba a palavra à indignação, de cada vez que lhe chamam esquisito. Aplausos para o triste palhaço. O número foi engraçado, o circo acabou. Ela espera agora que ele lave a cara e tire as tintas.
O que ela não sabe é que não eram tintas. As tintas são agora, e é agora que ele finge, quando o mundo todo está a ver. O circo começou quando saiu da intimidade da tenda. O que ela não sabe é que há quem precise de mentir para falar verdade. Mesmo que não minta.
Sobretudo, ela não sabe que ele a viu por entre as tintas que não estava a usar.
E, por detrás das lentes azuis que ela usava, ele viu-lhe uns olhos bem bonitos, e desejou do fundo do coração que lhe revelassem mais que o medo irremediável que ela sente de palhaços.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

A noite tropeçou.
De oriente a ocidente, foi apagando, sossegadamente, os candeeiros e acendendo o laranja nas ruas. Três horas e vinte e nove minutos. Acordei com o baque surdo sobre o crânio do meu corpo e o vácuo do mundo exterior sugou-me pela fractura, por debaixo da inércia sonolenta da noite. Perdi-me no ar como um odor de maçã fresca pelo bosque e, quando me quis entranhar pelas árvores, já era insubstancial.

Fui o esboço da alma de uma revolução, a esperança de olhos brilhantes num amor que se moldava eterno, as Ícaras asas de deus guiando o mundo ao…
Agora, insubstancialmente dissolvida na atmosfera, quem me dera poder, ao menos, chorar. Quem me dera poder condensar-me numa lágrima gorda e cair no chão e ser notada só pela terra que humedecesse. Quem me dera mais do que pairar. Pairo e lamento a incapacidade chorar o infeliz que se perde pelos caminhos de um planeta sem sol nem astrolábio, preso à noite a que se entregou e confiante adormeceu, para acordar dono de uma cabeça rachada e uma mente que se evadiu sem dizer adeus.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Foda-se a vontade de ser importante. (Vou só mudar de linha, pelo impacto da frase.)

É justificada, esta quebradiça ferrugem dos dedos e da fluência deseloquente que experimenta um cobarde na hora de se levantar. A hora, há sempre de dizê-la como a em que o sol está escondido, mas são 5 da manhã e está escuro. O sol é constante, meu idiota, e quem se esconde sou eu.
Só no escuro a pretensa liberdade, só no escuro o desplante de tentar fazer passar por figura de estilo a pura falta de educação, por fome um assunto. É de cobarde, escrever três verbos seguidos e manter-se inactivamente no escuro, de onde se salta de braços abertos para um público alheio e se bate com a cara na Terra, se quebra os dentes, se parte o nariz, se racha a testa, e não se vê que se escangalham a rir as próprias pedras do caminho do ridículo de se achar que, ao menos, se tentou.

Já se vem adivinhando este fado, desde o casal original. "O fado da iluminação" - cantado, em boa tradição, de preto, em qualquer tasco mal iluminado. Come-se a maçã, acende-se a luz, alimenta-se a sombra, ensombra-se o espírito.
Ó vergonha, ó cobardia! Ó tristeza! Ó povo que lavas, entre olhares de insegurança ao rio que há, sem sombra de dúvida, de expôr a tua sujidade ao mundo. Quanto preferias fadar a revolta desde a tua suja e maltrapilha ignomínia...
Melhor, só alvitrares das tuas resolutas reformas e dos teus apaixonados perdigotos, do cimo de um palco no cimo do mundo, cego e surdo e desconhecendo o teu embaraçoso paradeiro. E talvez, ainda assim, ninguém te ouvisse, pelo meio do gozo de teres sido apanhado com as calças na mão.
Então, meu senhores e minhas senhoras, antes que acendam as luzes, fechem-se as cortinas. Não é cobardia, é bom senso.

E assim se dispensa da ribalta um cobarde.


Tinha saudades disto. Olá de novo :)

sábado, 24 de abril de 2010

Das Weisse Band

Pretas papitações assombram o fundo de cada escolha que ficou, no tempo, inerte.
Segregam-se de mim, comigo, para o medo mais fundo do fundo de mim, onde olhos não querem chegar e a necrose dos nervos que não alimento impede o ar gélido de ser sentido, esse que se arrota do antro dos meus vícios mais putrídos e que me sobe à cabeça nas horas tardias de uma noite que chega nos braços da lógica de um assassino.
Acorrenta-me ao vórtex vazio das órbitas em espiral. E, em espiral, à boca deformada e ao sussuro da morte certa que penetra como um mantra cada vibração da minha defeituosa existência. Embarga-me os movimentos em espasmos cronicamente perfeitos e cronologicamente mais completamente sádicos, na destreza de quem, de cansaço, vomitou a alma e a cedeu, por duas horas de sono, ao diabo.
Choco e indigno e horrorizo e tiro disso o maior prazer, porque assim me ensinaram. E, quando choco e indigno e horrorizo, acenam-me o lenço branco que esconde no meu íntimo o preto das palpitações que assombram o fundo de outras escolhas que ficarão, no tempo, inertes. Outras, chocantes, indignantes e horrorizantes que, um dia, haverei, por eles, de tomar.

Das Weisse Band. Um retrato do que de pior existe em nós. Sem dúvida, um enorme filme.

terça-feira, 13 de abril de 2010

de que somos crianças. E depois, recusamo-nos a acreditar naquilo em que acreditamos. Sabemos os passos. Ainda assim, celebramos o despojo de propósito da dança oca, na tentativa de esquecer que passamos a parte maior do nosso tempo a bater caprichosa e simplesmente o pé no chão. Queremos, e não apenas isso; queremos consistentemente.
Vítima da voracidade que se impõe, a nossa existência amorfa delapida um mundo atrás do outro só porque carece de razões para, ela própria, existir. Uma gigantesca boca, com o único objectivo de ser meio para um incessante apetite, a única eventual saciedade na eventualidade de se engolir a si mesma.

Centrados na ébria cegueira do nosso umbigo de crianças mimadas, exigimos sentido ao mundo. Reclamamos lógica ao mundo, sem vergonha na figura em que nos apresentamos ao olhos do mundo, nus e desprovidos de lógica.

Mas é isto que somos.
E, muito de vez em quando, esquecemos de esperar algo tão lógico como um início ou um fim e somos capazes de sorrir por termos ainda que a ilusão de um nascer do sol. E esperamos que isso seja gratidão suficiente.

Nascemos.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Não sei quem ser. Não sei nem se quero ser mais que o pecado de quem, em mim, o vê. Ou a mão que esgravata o fundo da alma, mais que vazia, gastando-se em ofegantes ignições.
Vivo na rua e sou menos que a rua. Não sei sequer se o cheiro etílico do meu vómito faz de mim crente de que inexisto. Não sei se quero saber. Não me perturba se o tilintar leve da consistentemente leve moeda encomenda a deus, por intermédio da sombra que pareço arrastar pela rua, a expiação dos pecados de quem do seu peso se livra e do meu se finge carregar, em troca.

A rua sugou-me a alma. A rua tirou-me o nome e a cara. Destituiu-me da humanidade, de progénie e razão. Depois, foi meu pai e minha mãe e toda a minha espécie. A rua deixou-me ser o incómodo que dá valor à casa de quem por mim passa e se incomoda.

Não sei como me quero. Nem se me quero mais que um cheiro a suor e urina e a sola de sapato. Não sei para que quero mais linguagem que o grunhido que o frio e o bagaço puseram na minha boca, nem mais memória que a que me leva ao canto mais abrigado e com o chão menos duro.
Não sei para que sou, nem nunca me consegui decidir a deixar de ser.
Isto. É o que acho que sou quando mo dizem mas já não me recordo.
Não sei para que quero esquecer nem o que quero esquecer. Quase que nem sei já o tanto que doía poder lembrar.


Peço desculpa pela(s) ausência(s) prolongada(s). E peço desculpa pela presunção do princípio de que algum de vocês sente o menor desalento com isso lol. Como já disse, prometo que vou tentar publicar mais assiduamente.

Gostava de vos deixar um pensamento que tive hoje. Não olhem de baixo para o ghandi ou jesus cristo ou einstein, seja quem for que admirem. Acreditem e esforcem-se o suficiente para os chamarem de colegas :)

quarta-feira, 24 de março de 2010

na esperança de que alguma vez venhas a lê-lo

Está claro que não te amo, eu não te conheço.
Amo antes os teus ohos, como a duquesa ama o jade que lhe sorri desde o espelho, encaixado na prata que lhe reluz no peito.

Amo os teus olhos, dois respiradouros de focas na ártica brancura da neve que te cobre as feições.

Amo o verde dos teus olhos e a brancura da tua pele, resplandecentes de dois cocos na areia morna, onde se espraia preguiçosamente o paraíso.

Amo-te os olhos, como estrelas sobre a alvura da areia, onde há sempre risos de festa e música e o rebolar das pedras pequeninas na beira da água e os sussurros trocados entre casais que coram e pintam de beijos a noite cetinada do teu cabelo.

Não te amo a ti. Amo cada bocadinho de céu que te vou descobrindo, com um amor pueril que enternece a cada nova surpresa e me deixa durante horas com um sorriso parvo na cara só porque entraste na sala :)


P.S. a quem acompanha isto. desculpem a falta de posts e o desleixo nos comentários, mas tenho andado assoberbado. prometo que isto vai ao sítio. um dia lol

segunda-feira, 15 de março de 2010

Vou à borda e molho o pé.
Uma e outra vez, toco e fujo, um tolo que quer descobrir o fundo do mar com meio salpico de água no pé. Meio salpico e já foste tu, já sinto mil risinhos por dentro, já me tocaste, já me conheces, já me queres.
Está claro que não olho à volta, que não vejo mais mil milhões de meios salpicos a arrepiar mais mil milhões de pés. Meio salpico e já sou teu. Dou um passo atrás e extasias-me, só por ti.
Como que sinta a água fresca e quase que tenha medo que o calor do meu corpo a aqueça, que a mude um bocadinho só que seja. Ou como que me importe com algum pescador que te reclame. E não mergulho no verde dos teus olhos de uma cor que eu nunca vi, nunca mais que um relance propositadamente de fugida.

E não é por nada disso. Psstt. Entre nós, princesa, acho que tenho medo.
Entende-me lá, é porque toda a gente sabe que o mar é sempre mais lindo quando reflecte as estrelas. E assim como estou, molho um dedo, uma ondulaçãozita, as estrelas tremelicam e riem um riso distante, lá no céu, em ti. Mas as estrelas estão lá em cima e eu não lhes consigo tocar. O mais próximo que lhes chego, és tu.
E assim já não sei se te amo pelas estrelas que te conheço e não tens ou pelo fundo que tens e eu não conheço.
O que eu sei mesmo é que tenho sede do verde dos teus olhos.

Descobre quem amas. E depois descobre-te em quem amas :)

quarta-feira, 10 de março de 2010

o patinho feio

Passam e cumprimentam-me, como velhos amigos meus.
Alguns falam, outros choram, outros sentam-se ao meu lado.
Quando dou por mim, sentado, quem já é velho sou eu.

Passam e cumprimentam-me,
Os porcos hipócritas dos instantes.
Sentam-se e dão conversa e,
Versa, não versa,
Quando olho o que era agora, o que vejo é já antes.

Afagam e agridem,
Enternecem e enlouquecem.
E desprezo quase todos.
E quase todos me esquecem.

Uns, visitam-me de novo. E de novo.
E chegam, às vezes, em pares de três
E todos desbaralhados da mesma vez
E já não sei quem quando porque raio os fez
Existir.

Suponho que saiam só porque tenham que sair,
Obscurecidos,
Poemas que saem para denegrir a alma de quem os provoca.
Para desenvaidecer espíritos envaidecidos
E mostrar em quantos instantes se troca o mais razoável dos poetas
Por outro que é, decerto, de funesta rês.


às vezes descobrimos partes de nós que não pensávamos serem nossas. e são igualmente nossas, e são igualmente valiosas. este é o meu patinho feio de hoje. e gosto dele :)

domingo, 7 de março de 2010

das doenças psicológicas (capítulo 3)

Nota: a tentativa de suicídio é uma tentativa forçada de adormecer. o suicídio é morrer. e morrer é arriscar-se a não poder sonhar, nunca mais. a questão é que uma tentativa bem sucedida de suicídio seria o equivalente a adormecer. assim, uma pessoa com capacidade para se suicidar, teria capacidade para adormecer. só é pena que, depois de se morrer, não se possa voltar atrás. afinal, sempre teria sido possível, não é?
é natural não estares a perceber. esta nota devia, provavelmente, estar no fim, mas senti que devia pôr aqui. afinal, é demasiado mórbido acabar um texto a falar de suicídio, ou não? logo voltas atrás e percebes.


A tristeza é um ponto de interrogação. Parar é morrer.

Ai de mim se me entristeço. Ai de quem, como eu, afirma em frente e linha recta, de olhos fechados e coração aberto, bombardeando de passos apressados o chão que está certo de lá estar. E recita épicos poemas de inchar o peito, aeito mar e rocha e névoa adentro, e desbarata o desconhecido com sabres exclamados em voz de trovão!
(esperemos que sempre em frente, e a correr)

porque parar,   "parar é morrer"

o hercúleo coração vem com olhos de pandora, meus caros.
Ai de mim se me entristeço. Ai de quem, como eu, se habitua à certeza linear. Baralham-nos, as curvas. E a tristeza é um ponto de interrogação. Esconde, na sua sinuosidade, a incerteza, e começamos a duvidar do chão. E é no momento em que os olhos entreabrem que o coração se encolhe. A vista toca o mundo e a névoa do sonho condensa numa gota e cai na terra. E nós caímos com ela porque, no mundo, não há escadas para o céu.
Porque aprendemos que o céu é em cima, disse a geografia, e é difícil ir para cima por causa da gravidade, disse a física, e será que o céu existe?, disse a filosofia, e já estragou tudo. Porque com a razão, vem a pergunta. Com a pergunta, vem a dúvida. Com a dúvida, a hesitação. E quando hesitamos, paramos. E, pela última vez, parar é morrer. E para morrer, há muita gente.
Então? Então escrevo um aviso para quem quiser ler, depois adormeço outra vez e sonho outra vez e corro o mais depressa que puder.

Ai de mim se me entristeço. A tristeza faz acordar. A depressão faz perder a capacidade de tornar a adormecer. E isso é parar.

Sonha e descobre onde os sonhos te podem levar :)

quarta-feira, 3 de março de 2010

Sentir cada nota da vossa pele e cada carícia da vossa voz como uma nuvem perfeita onde me embalais as lágrimas. Tenho fome do momento em que saís da indefinição do futuro e vos juntais a mim numa infinidade de presentes. Sei que vos amo porque sou feliz convosco na imaterialidade do pensamento hipotético. Escapamos ao tempo e ao espaço e estamos numa dimensão só nossa, onde as almas se perdem e os corpos se encontram sem consciência de nós.
A minha vida por vos ver.
O golpe de misericórdia neste coração de mortal que bate fraquejante, por mal conter um amor que ecoa desde a distância gelada da inexistência. Existísseis, o vosso toque ao mundo acordaria todas as coisas e floresceriam todas as primaveras de todos os tempos em todos os lugares. Render-se-ia, contente, este corpo no vosso colo. Morreria contente pela seda morna do vosso beijo.

E era assim que se rendia o eterno pelo momentâneo, a totalidade da memória histórica pela imemorialidade do instante etéreo. Era assim trocar o extremo para que se dirige uma vida por aquele que se nos é entregue pelo acaso. Opostos em particular e, por fim, iguais.

Sonhar os dois, fingir que se escolhe um, desistir de nenhum.
A beleza é agora.

Descobre a parte de ti que existe noutra pessoa :)

domingo, 28 de fevereiro de 2010

excerto de um livro não publicado :)

Noite 3

 
Falho-te sempre o beijo, sempre aos tiros numa sala de espelhos. Que vê um espelho num cego? Vê o que vê o cego, porque o espelho não tem consciência de ver. E isso é nada. Um negrume de ouvir e tocar e cheirar e de ver, uma consciência de que se é só nada porque nada se vê reflectido. E de que nada só existe porque alguém duvida que exista e é essa toda a sua importância. Uma dúvida. Existo eu porque duvido que exista. Existes tu, porque és a parte de mim que quero beijar e existe nos espelhos que duvido que existam. E porque juro que dizes de dentro da minha cabeça


Nada não é nada.
Nada é tudo aquilo que se demora,
O resto de quando o tudo se enfada,
Não é nada.
Se fosse nada…
Oh!
Nada é uma expressão precipitada.
É na verdade uma coisa problematizada.
Ainda assim, designada.
Frívola perturbação de uma negação,
Tentando a expressão de uma conclusão a nada aplicada.

Nada é bem mais que a lógica e miolos e razões
De quem quer dizer que nada é nada.
Se nada fosse nada, nada diziam sobre nada, morcões.
Nada é só a totalidade rebentada,
É uma concepção nada complicada.
Um tanto chanfrada, talvez.
Tanto não é nada, que faz notar uma ausência,
Uma invulgar deficiência.
O que há dentro de uma saladeira sem salada?
Nada!

Pois claro, haja competência, haja sobretudo apetência,
Atribui-se características de tudo a nada.
E, à falta de melhor desembrulho nesta embrulhada,
Nada é qualquer coisa que nunca tenha sido pensada.

Amo-te por isto.
Não há dia em que não pense em quem espero que sejas tu, meu amor.


Espero vir a descobrir o resto :)

(c'mon, não achavam mesmo que eu não ia escrever o verbo descobrir pelo menos uma vez, não é? ahah)

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

a razão do diabo

Quis custodiet ipsos custodies?
Quem guardará os guardas?

Prepara-te. Hoje, explico-te os mecanismos mais básicos do mundo, tal como eu os entendo. E entendo-os.

Antes de mais, deixemos uma coisa assente. Tudo é equilíbrio.
Equilibrium. Equi libra. Equi, igual. Libra, balança. Por muito infantil que possa parecer a explicação, torno a fazer questão de lembrar que é preciso entender e usar as palavras na sua plenitude de significados. Sendo assim, define-se que equilíbrio é, primária e etimologicamente, o fenómeno pelo qual se colocam em igualdade de peso dois pratos de uma balança. Fisicamente (para os mais científicos), isto significa que as suas acelerações se anulam.
Assim, na prática, o que estou a dizer é que este universo se rege por um princípio muito simples. Quando um prato da balança pesa mais, é preciso compensar no outro. E por pratos da balança entendam-se quaisquer dois extremos que se possa imaginar.

Imagino que estejam já os mais impacientes a perguntar-se que raios é que isto tem a ver com o tema deste texto. Vamos por partes.

Primeiro. A existência funciona através de extremos. Desde que nascemos até quando morremos e antes e depois, todas as nossas acções, pensamentos ou sentimentos são compreensíveis entre dois extremos. Extremo positivo e extremo negativo. A meio, temos o equilíbrio. Como vêem, até o próprio conceito de extremo tem dois extremos. Extremo e não extremo, ou meio. Se desenvolverem este raciocínio suficientemente, hão-de aperceber-se que se chega a um ponto em que a razão humana é insuficiente para descalçar esta bota até ao fim.

Segundo. Há dois tipos de forças, energias, cargas ou acções no universo. Positivas e negativas. Estas dirigem-se de um extremo a outro e, para cada acção, há uma reacção de sentido inverso e igual intensidade. Está claro que o facto de tudo isto ser analisável não é senão uma questão de perspectiva, uma relatividade no tempo e no espaço que é inerente a quem observa. O observador ideal não teria perspectiva e portanto não teria relatividade, pelo que não necessitaria de interpretar factos, apenas de fazer cálculos. E isso, já agora, seria saber o destino.

Terceiro. A união destes dois factores resulta num equilíbrio cósmico inabalável entre harmonia e caos, morte e vida, bem e mal, luz e escuridão, positivo e negativo.

Não sou só eu quem o diz. Di-lo Newton com as suas leis, di-lo Einstein com a sua teoria da relatividade e tantas outras, di-lo o yin yang, os budistas, os hindus, os cristãos (sim, os cristãos)...

De diferentes maneiras, sob diferentes formas e disfarces, o subconsciente continua a dizer-nos o mesmo vezes e vezes sem conta. A resposta está no equilíbrio.

O problema é que, como diz Newton na sua primeira lei, se não lhe for aplicada uma força, um objecto estará parado. Inexistência. Contudo, uma vez aplicada uma força, esse objecto movimentar-se-á com a mesma velocidade e sentido até que lhe seja aplicada nova força.

Ora, se a existência (o movimento) dependesse de apenas um extremo, isso seria o mesmo que dizer que o objecto andaria infinitamente no mesmo sentido, que é o mesmo que dizer que a balança penderia infinitamente para um dos lados. E isso é absurdo, porque nesse caso o ser humano, a vida, o planeta terra e a organização de partículas em geral nunca poderia ter existido, degenerando-se o universo num calor ou frio extremo, caos extremo que não permitiria reacções de qualquer género ou organização extrema que deixaria as moléculas estáticas, etc.

Tomemos um conceito totalmente diferente. Económico. Desenvolvimento sustentado. Compensação de custos com lucros. O universo criou este sistema há muito tempo atrás.
Resumindo, esta é a lei que rege o universo, está gravada em cada minúscula partícula do nosso ser, pelo que é perfeitamente natural que vejamos o mundo como uma dança entre extremos.

Como tal, quando pensamos na existância de um deus, uma força positiva, faz todo o sentido que equilibremos a balança com uma força negativa. o diabo (muahahahaha!)

Quis custodiet ipsos custodies?
O universo tem a solução perfeita. Duas cargas antagónicas com objectivos antagónicos, cujas forças se anulem numa perfeita harmonia e num perfeito caos, controlando-se mutuamente, lutando sempre em vão pelo desiquilíbrio, mantendo assim o equilíbrio.

Descobre os desígnios do mundo e descobre o teu lugar no seu equilíbrio :)

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Perco-me aqui, entre os fachos de memórias de reflexos de sol poente
Que adornam a irrequieta água do Tejo,
Saudando cada momento que passou,
Com estreitas passadas elegantes de um gato preto pela margem.
Chorando de luto cada rio que passa e nunca mais,
Enternecendo-me em cada gota que chega com o que chega para sempre.
E traz-te.
Esculpe-te no meu suspiro, espalha-te pelo ar frio e aquece-lo quando me beijas.
Bebo-te as formas e choro-te na mais pura emoção e...
E estás entre os olhos e as estrelas
E compassas o fumo do jazz com o teu pulso
E escondes-te nas ruas e nos corações e levas-me seguro a casa,
Para não estares ainda, mais uma vez, à minha espera.

Espelho Teu


Desculpem lá, tenho andado sem tempo para sequer me coçar, mas não podia passar o dia dos Namorados sem escrever alguma coisa. Um feliz dia para quem o pode aproveitar (se puderem, odeio-vos ahah).

descobre-te :)

P.S. se puderem, divulguem esta coisa. sim?

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Sessenta euros! Foram sessenta euros pelos 10 minutos que o "senhor doutor" perdeu do seu exorbitantemente valioso tempo a examinar-me!

Hoje apetece-me fazer contas. Ajudem-me, não são contas difíceis. 60 euros por 10 minutos. Portanto, 6 euros por minuto. Se um minuto tem sessenta segundos, 10 cêntimos é o preço de um segundo da vida deste senhor doutor médico.

Tendo em conta que o limite de percepção do olho humano são 60 frames por segundo, ou seja, o nosso cérebro não consegue distinguir como imagens separadas mais que 60 por segundo, significa que uma frame, um instante humano, demora, na realidade, aproximadamente 0,017 segundos.

Tomando, de novo, o exemplo do senhor doutor, que entretanto saiu do consultório para se dirigir a casa onde o espera a mulher ansiosa por lhe dar uma boa notícia, façamos as contas.

Chegámos à conclusão de que 1 segundo do senhor doutor vale 10 cêntimos. Isso significa que um instante vale 10 cêntimos vezes 0,017 segundos, portanto 0,17 cêntimos.

Suponhamos agora que, ao entrar em casa, o ganancioso do senhor doutor sente um ardor no peito, nada de importante, apenas um incómodo. A cada passo apressado e excitado da mulher do senhor doutor pela escada abaixo, a dor aumenta de intensidade, tomando um corpo próprio, prendendo o peito e fechando-lhe de vez os olhos no preciso instante em que a esposa entra na sala com um enorme sorriso que ele já não viu, nas mãos a imagem de uma ecografia de um filho que ele já não foi a tempo de saber que existia.

Por esse preciso instante extra, a sua última paciente pagou 0,17 cêntimos.

Pensando assim, parece uma pechincha, não é?


É evidente que não tem sentido prático ver as coisas assim, nem que seja porque as consultas do médico já estão suficientemente caras, não é? Mas de vez em quando, vale a pena pensar em quanto vale cada momento, em como alguns instantes são verdadeiramente priceless.

E talvez, só talvez consigas lembrar-te disto justamente quando estiveres prestes a perder tempo. E aí, o tempo que eu perdi a escrever isto não vai ser tempo perdido. Não foi.

Uma dica, sempre diferente, apesar de tudo. Tão diferente quão diferente és todos os dias,
Descobre-te :)

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

das doenças psicológicas (capítulo segundo)

Vais morrer, foi só isso que eu ouvi.

Acho foi da adrenalina, a adrenalina tem como único objectivo concentrarmo-nos no mais importante para a sobrevivência. Protecção. Fuga. Luta. Ela aumenta o batimento cardíaco, dilata as pupilas para aumentar também o campo visual. Tudo se abstrai que não seja o propósito mais visceral, mais primitivo. Sobrevivência.

Findos os trinta e dois minutos de eufemismos e rodeios, a adrenalina preservou e ampliou na minha compreensão apenas duas palavras. Vais morrer.

E, como se morta, a minha alma separou-se do meu corpo e analisei-me, em câmara lenta, um animal. Virei-me de costas para o médico e fechei os olhos. Protecção. Ouvia a sua voz, senti a sua mão no meu ombro, hesitante. Sempre achei que me irritaria, mas a sua tentativa de me reconfortar embalava-me, enternecia-me. Olhei-o nos olhos, como quem olha uma criança, com um sorriso de que nunca mais me vou esquecer. Com a maternalidade condescendente de quem explica a um filho que não, o Pai Natal não pode trazer a lua dentro do trenó para te dar, meu querido...
Estou óptima, deve ter havido uma troca nos exames, com certeza, meu querido... Fuga.

A sua expressão não mudou. Ficou a olhar para mim, por detrás dos seus óculos, um perdigoto na lente esquerda, mais ou menos para dentro e para baixo. Ficavam-lhe mal. Sobretudo, ficava-lhe mal o perdigoto. Queria arrancar-lhe dali aquele perdigoto, óculos e tudo. Luta. Ele entrava-me pelos olhos, tomava-me a atenção, multiplicando-se até eu não ver mais nada.

Foi quando senti o último dos meus sorrisos afogar-se na espuma que me escorria pelo queixo, o último dos meus pensamentos tolher-se de ecos de há 32 minutos atrás. Convulsões. Exames. Massa no cérebro. Inoperável. Decisões.

Se pudesse, acharia agora isso tudo muito mundano, de facto.
Porque é que não posso? Porque tu não me deixas, porque teimas que eu não existo, ou que já não existo, só porque não sabes o que sou, nem eu. Sim, porque ambos temos certeza que tu, que sabes, sabes o que és, sabes como te originaste e como tomas acção no que quer que seja. Tens a certeza absoluta que és mais que um pensamento e isso faz de ti sábio.

E talvez, só talvez, estejas errado. E aí, não só não sabes mais de ti do que eu sei de mim, mas também nunca poderás vir a saber, porque estás convictamente na direcção errada.
Mas se me deixasses... Aí, dizia-te que só te custa porque te valorizaste. E isso não é bom nem mau. Mas é certamente, refrescantemente, inspiradamente diferente. Dizia-te que a civilização construiu a tua mente num castelo de cartas, que é só por isso que ela cai. Se nada se tivesse construído, nada havia que se pudesse destruir.

Se queres ser uma criação, se queres estar seguro, então senta-te e aprecia. É esse o teu destino. Quando morreres, não vais ter sofrido, e isso não está errado. É como é.

Mas se queres ser criador, então arranca a maçã e come-a, come-a com caroços e tudo, e depois constrói o castelo de cartas mais alto que conseguires. E, quando ele cair, vais cair com ele. Vais querer sobreviver, proteger-te, fugir e lutar. Quando não conseguires, a morte vai doer-te como um espigão de aço quente enfiado pela garganta. Mas vais ter um propósito. Algo que só tu pudeste fazer porque só tu te atreveste.


O homem é aquilo que fez de si mesmo, com todos os ganhos e custos. O facto de nos custar tanto aceitar a morte é o que nos diz o valor que emprestámos à vida. E isso, isso é ser maior que a vida. E maior que a morte.

Descobre para que queres existir :)


quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Hoje queria estar como que morto, numa incubação branca, uma morna hibernação do sentir.
E não sentir.
Nem a chuva a bater na janela, nem a janela por dentro da chuva,
Nem a mim, por dentro da janela.
E deixava o mundo de se dobrar em dentros e foras
E espaços, e horas.
Representar,
Engolir o papel e expirá-lo,
Como quem seja realmente a própria promessa de que se ama.
Adensar-se na imaterialidade de uma paixão ardente e, ainda assim,
Dançar.
Ser mesmo as curvas e os saltos e sobressaltos.
Alugar a alma às estrelas
E ser alma. E derramar-se um pouco por cada momento.
Percutir o sentimento como a um instrumento que se abraça. Que se é,
Quando se é o amor e o próprio amor se pode fazer apaixonar.
                                                            
Espelho Teu


Olha, Vê, Saboreia.
Descobre-te, saboreando-te.

P.S. Já era tempo de um post mais curto para terem paciência de ler :)


quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

das doenças psicológicas (capítulo primeiro)


Ontem entrei num café e estava a dar "as tardes da júlia" (e não, não serão discutidas nesta publicação as evidentemente variadas doenças psicológicas da referida "júlia". talvez noutra ocasião).

de qualquer maneira, enquanto tentava distrair-me desse ruído de fundo, apanhei duas ou três frases. qualquer coisa sobre depressão, mães com depressão ou algo do género. a meio do esganiçado discurso, contudo, ouvi uma afirmação que, mesmo com o benefício da dúvida de ter sido dito num programa tão sério e respeitável, me arrepiou por dentro.

"uma de cada quatro pessoas em todo o mundo sofre, sofreu ou sofrerá de depressão."

isto faz-me pensar, mas pensar a sério. isto assusta-me, não porque temo por mim (eu sei que não vou sofrer de depressão), não pelas implicaçoes directas desta afirmação, mas pelo que leva alguém a achar que é verdade. comecemos, então, do início.



o homem era um animal normal. nascia, comia, dormia, fugia, lutava, reproduzia-se e morria, que é basicamente o que todos os animais fazem, mas alguma coisa aconteceu que nos tornou diferentes. arbitrariamente ou advertidamente, por um conjunto de factores, o que é certo é que fomos ganhando uma dimensão psicológica e social algo maior. muito maior, dirão muitos.

ora, quem teve filosofia no 10º ano sabe perfeitamente que o homem é definido como um ser "psicológico, biológico e social". como, aliás, todos os animais, julgo eu. julgo também que não somos 'super-animais', que a natureza não nos teria feito sem fraquezas. a natureza é muito mais eficiente do que frequentemente pensamos.

sendo assim, se nos aumentou o poder psico-social, além de nos ter diminuido o poder biológico (e por poder biológico entenda-se a capacidade de sobrevivência em meio selvagem, o instinto), aconteceram outras coisas que nos foram enfraquecendo.

dir-se-ia que a sociedade é regida pelos políticos, numa pirâmide social que vai descendo com o grau de importância das pessoas. mas a sociedade é agora uma entidade própria, com uma regência própria. deixou de ser a 'societas', a 'associação amistosa com outros', para se tornar um conjunto de regras rígidas que já ninguém controla. já não há chefes da sociedade, tal como não há chefes do dinheiro.

da mesma maneira que nos criou a natureza, criámos a sociedade. perdão, não da mesma maneira, existe uma crucial diferença. a natureza sabe o que está a fazer. a natureza está a controlar a situação. se 'mijamos fora do penico', a natureza manda um terramoto e mata centenas de milhares de pessoas em 2 minutos, como agora, no Haiti, e em tanto sítio. não é vingança e não é castigo. a natureza não sente raiva.

a sociedade oprime-nos, a sociedade reprime-nos, compele-nos a pensar de maneira restritiva, marginaliza-nos e nós prestamos-lhe reverência. é curiosa a tendência do homem para prestar reverência ao que cria. e continuamos, não porque dependamos da sociedade, não porque precisemos dela, mas porque a alternativa é impensável. anarquia.

não me interpretem mal, não defendo a anarquia. de modo algum. só estou a dizer que há sempre uma contrapartida. quando me conhecerem melhor, hão-de perceber-me melhor.

a alternativa é impensável porque também temos algo que a natureza não tem. amor. a natureza equilibra as coisas. invariavelmente. impiedosamente. sobretudo, justamente.

nós somos diferentes. nós amamos. amamos a sociedade porque a criámos, porque somos parte dela, porque ela é mais que nós, porque nos liga, porque é uma coisa que podemos amar. e isso tira-nos objectividade, naturalmente.

como o monstro de frankenstein. criámo-la. e agora amamo-la demasiado para a matar. ela permite-nos a razão. e a razão permite-nos a depressão. e, da depressão, falamos no próximo capítulo, se tiverem paciência.


não chegámos hoje ao cerne da questão, mas a moral da história de hoje, mais uma vez

Descobre-te individualmente e descobre-te socialmente. Pela ordem que quiseres, mas faz    :)

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Hoje queria estar triste, tudo vos soa melhor quando se está triste. Quando se está triste ou chateado, tudo se escreve com a frescura de um tabefe, repercutindo-nos na imensa vastidão do universo, e que até parece que se é o que quer que seja.

Não, não me enganei. Tudo vos soa melhor, a vós. Sim, a ti, "caro leitor".

Tenho o mais pleno direito, se é isso que te estás a perguntar.
Ora, mas que caraças... Com certeza que, noutra qualquer situação dos dias de nosso senhor, te sentirias tentado, se não me conhecesses já, a dizer-me que não estivesse triste, que há o cancro e o negrume e a guerra e a fome e as pulgas e tudo o resto que este mundo cria para infernizar a vida a quem elas mordem, para morder o juízo a quem está quieto no seu canto só porque não teve a sina de ter os maiores problemas do mundo.

Aí, já te servia a comparação, não é? Pois então, se a minha tristeza se deve perder na obrigação que me impõe a desgraça dos outros de ser feliz, porque carga de sumo não haverá a tua de se urinar pelo manto negro abaixo e evaporar-se no suave fuminho etéreo da felicidade ao ler a minha?

Deixando de parte as vossas dúvidas existenciais acerca do "nos" e do "vos", a vossa incapacidade de ver para além da inexistente gralha ortográfica que o vosso inconsciente quis imputar ao autor deste textículo (só porque gostei do trocadilho totalmente despropositado e quase ordinário), continuemos. Se não me entenderdes, sugiro, ainda que desesperançado, que volveis a ler tudo desde o início, com um olho no espelho e o outro no vosso reflexo, com um ouvido nas minhas palavras e o outro nas do vosso subconsciente. Se, como é de esperar, não conseguistes, deixar-me-ei de falar de jibóias abertas e fechadas a quem não as vê. Raio de mentes tacanhas, as vossas...

Seja como for, tudo vos soa melhor quando se está triste.
Porque quando se está triste ou chateado, as emoções são fortes, o peito inflamado, o juízo embriagado. A língua solta-se e a pulsação aumenta e ficam pequenas nuvens negras sobre a cabeça que soltam trovões ou chuva, ou ambos, conforme se se está chateado ou triste, ou ambos.

E perguntais vós se, quando se está contente ou apaixonado, as emoções não são igualmente fortes, o peito igualmente inflamado e o juízo igualmente embriagado. Se a língua também não se solta e a pulsação não aumenta e não fica um céu límpido sobre a cabeça que solta raios de sol ou luz das estrelas, ou ambos, conforme se se está contente ou apaixonado, ou ambos.

Mas é claro!
E inquiris vós, então, porque vos soa tudo melhor quando se está triste, se tudo tem o mesmo valor quando se está contente, se tudo se escreve também com a frescura de um beijo, repercutindo-nos na vastidão do universo, e que até parece que somos o que quer que seja?

Agora, para aqueles de vós que não perceberam à primeira, não faz mal.
Porque contente ou apaixonado, também se escrevem coisas bonitas, que também soam bem. Mas aí, eu tenho melhor que faça que escrever.

Por isso é que tive que fingir chatear-me convosco por uma ninharia.

Um texto é uma sala de palavras que se remetem e moldam umas à outras, como milhares de espelhos deformados. Como numa sala com milhares de espelhos deformados, tudo depende do ponto de que se vê, e esse ponto muda de cada vez que muda o observador.

Mais uma vez, DESCOBRE-TE :)

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Primeiro Relance

Ser maior que a vida é ser mais pequeno. Talvez não passe pela diferença, já que não é diferença fazer, como tantos, questão de não ser igual.

Ser maior que a vida é ser geral. É ser e não ser, ter a dor sentida e a dor fingida tocando ao mesmo piano dois estilos diametralmente opostos numa melodia que sobe aos céus e mergulha no poço fundo dos infernos e rouba todo o espaço entre uma coisa e nenhuma outra.

Ser maior que a vida é ser pouco mais que um arrepio na espinha do universo.

Ser maior que a vida é viver entre as ondas do sangue, subir, com o vinho, à cabeça de deus e trocar as voltas ao mundo girante com a força suave do próprio pensamento.

A magia do espelho não está nos mitos. O espelho é um objecto inanimado.
Toda e a única magia que tem um espelho está naquilo que reflecte.
 
"Nunca ouviste passar o vento.
O vento só fala do vento.
O que lhe ouviste foi mentira,
E a mentira está em ti."


Feitas as apresentações, espero tornar a publicar em breve.
Descobre-te.