quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Faz algum tempo

"Pertenço à espécie mais humilhante de cobardes.

Finjo que a minha passividade é um plano, escondo-me no fim do teu ângulo de visão, com a desculpa de te poderes habituar a mim. Escondo na ponderação a estupidez da hesitação.
Sinto-me a escapar pelos teus dedos inconscientemente livres e depois finjo sentir que foste tu que perdeste.
Depois choro porque não me conheces e nunca te deixei conhecer-me. Choro porque não me escolheste e nunca me fiz uma escolha. Choro porque me deixaste e nunca fui ter contigo. Choro a muita coragem que não tenho, quando pouca seria suficiente. Como um idiota, choro. E é assim que, a ti, me apresento.
Por ti, esqueço-me de mim, de que valho o que mereces. E depois choro porque não reconheces o valor que não te mostro.
E continuo, e finjo que sou cobarde, só para me desculpar continuar sem te dizer nada. Finjo que é compreensível porque és tão bonita.
Choro clandestinamente e amo-te clandestinamente, enquanto te observo no teu reino muito, muito distante."

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

um bicho escondido no meu fundo,
alimenta-se dos dízimos de mim,
sem fim, numa deplecção de quem javarda por capricho
um bocado esburacado de carne que mói em espasmos
como se ainda um coração,
é todo ele dedos, em todas as direcções,
agora na calma dos teus olhos verdes,
agora na frescura dos dois céus com que vês,
agora na doçura sorridente de chocolates,
agora no negrume da verdade dum par de beijos de azeviche,
nacos de mim que se vão, se não mingo é porque me preenche de um tu que ainda não existe,
agora um naco de toque demorado que não sentiste,
agora a Lua,
quanto não queixaria se falasse do que quisesse quanto lhe cobro que fala de ti,
há-de saber onde estás, logicamente quem lá está sou eu,
na Lua,
que este bicho já terias tu desmentido se contigo se encontrasse,
destoa sempre a imitação do original, seja um olhar ou um estilo de escrita
e, de resto, a ti ou ao Saramago, atribua-se o seu a seu dono.


"Ensaio sobre um morto"