quarta-feira, 24 de março de 2010

na esperança de que alguma vez venhas a lê-lo

Está claro que não te amo, eu não te conheço.
Amo antes os teus ohos, como a duquesa ama o jade que lhe sorri desde o espelho, encaixado na prata que lhe reluz no peito.

Amo os teus olhos, dois respiradouros de focas na ártica brancura da neve que te cobre as feições.

Amo o verde dos teus olhos e a brancura da tua pele, resplandecentes de dois cocos na areia morna, onde se espraia preguiçosamente o paraíso.

Amo-te os olhos, como estrelas sobre a alvura da areia, onde há sempre risos de festa e música e o rebolar das pedras pequeninas na beira da água e os sussurros trocados entre casais que coram e pintam de beijos a noite cetinada do teu cabelo.

Não te amo a ti. Amo cada bocadinho de céu que te vou descobrindo, com um amor pueril que enternece a cada nova surpresa e me deixa durante horas com um sorriso parvo na cara só porque entraste na sala :)


P.S. a quem acompanha isto. desculpem a falta de posts e o desleixo nos comentários, mas tenho andado assoberbado. prometo que isto vai ao sítio. um dia lol

segunda-feira, 15 de março de 2010

Vou à borda e molho o pé.
Uma e outra vez, toco e fujo, um tolo que quer descobrir o fundo do mar com meio salpico de água no pé. Meio salpico e já foste tu, já sinto mil risinhos por dentro, já me tocaste, já me conheces, já me queres.
Está claro que não olho à volta, que não vejo mais mil milhões de meios salpicos a arrepiar mais mil milhões de pés. Meio salpico e já sou teu. Dou um passo atrás e extasias-me, só por ti.
Como que sinta a água fresca e quase que tenha medo que o calor do meu corpo a aqueça, que a mude um bocadinho só que seja. Ou como que me importe com algum pescador que te reclame. E não mergulho no verde dos teus olhos de uma cor que eu nunca vi, nunca mais que um relance propositadamente de fugida.

E não é por nada disso. Psstt. Entre nós, princesa, acho que tenho medo.
Entende-me lá, é porque toda a gente sabe que o mar é sempre mais lindo quando reflecte as estrelas. E assim como estou, molho um dedo, uma ondulaçãozita, as estrelas tremelicam e riem um riso distante, lá no céu, em ti. Mas as estrelas estão lá em cima e eu não lhes consigo tocar. O mais próximo que lhes chego, és tu.
E assim já não sei se te amo pelas estrelas que te conheço e não tens ou pelo fundo que tens e eu não conheço.
O que eu sei mesmo é que tenho sede do verde dos teus olhos.

Descobre quem amas. E depois descobre-te em quem amas :)

quarta-feira, 10 de março de 2010

o patinho feio

Passam e cumprimentam-me, como velhos amigos meus.
Alguns falam, outros choram, outros sentam-se ao meu lado.
Quando dou por mim, sentado, quem já é velho sou eu.

Passam e cumprimentam-me,
Os porcos hipócritas dos instantes.
Sentam-se e dão conversa e,
Versa, não versa,
Quando olho o que era agora, o que vejo é já antes.

Afagam e agridem,
Enternecem e enlouquecem.
E desprezo quase todos.
E quase todos me esquecem.

Uns, visitam-me de novo. E de novo.
E chegam, às vezes, em pares de três
E todos desbaralhados da mesma vez
E já não sei quem quando porque raio os fez
Existir.

Suponho que saiam só porque tenham que sair,
Obscurecidos,
Poemas que saem para denegrir a alma de quem os provoca.
Para desenvaidecer espíritos envaidecidos
E mostrar em quantos instantes se troca o mais razoável dos poetas
Por outro que é, decerto, de funesta rês.


às vezes descobrimos partes de nós que não pensávamos serem nossas. e são igualmente nossas, e são igualmente valiosas. este é o meu patinho feio de hoje. e gosto dele :)

domingo, 7 de março de 2010

das doenças psicológicas (capítulo 3)

Nota: a tentativa de suicídio é uma tentativa forçada de adormecer. o suicídio é morrer. e morrer é arriscar-se a não poder sonhar, nunca mais. a questão é que uma tentativa bem sucedida de suicídio seria o equivalente a adormecer. assim, uma pessoa com capacidade para se suicidar, teria capacidade para adormecer. só é pena que, depois de se morrer, não se possa voltar atrás. afinal, sempre teria sido possível, não é?
é natural não estares a perceber. esta nota devia, provavelmente, estar no fim, mas senti que devia pôr aqui. afinal, é demasiado mórbido acabar um texto a falar de suicídio, ou não? logo voltas atrás e percebes.


A tristeza é um ponto de interrogação. Parar é morrer.

Ai de mim se me entristeço. Ai de quem, como eu, afirma em frente e linha recta, de olhos fechados e coração aberto, bombardeando de passos apressados o chão que está certo de lá estar. E recita épicos poemas de inchar o peito, aeito mar e rocha e névoa adentro, e desbarata o desconhecido com sabres exclamados em voz de trovão!
(esperemos que sempre em frente, e a correr)

porque parar,   "parar é morrer"

o hercúleo coração vem com olhos de pandora, meus caros.
Ai de mim se me entristeço. Ai de quem, como eu, se habitua à certeza linear. Baralham-nos, as curvas. E a tristeza é um ponto de interrogação. Esconde, na sua sinuosidade, a incerteza, e começamos a duvidar do chão. E é no momento em que os olhos entreabrem que o coração se encolhe. A vista toca o mundo e a névoa do sonho condensa numa gota e cai na terra. E nós caímos com ela porque, no mundo, não há escadas para o céu.
Porque aprendemos que o céu é em cima, disse a geografia, e é difícil ir para cima por causa da gravidade, disse a física, e será que o céu existe?, disse a filosofia, e já estragou tudo. Porque com a razão, vem a pergunta. Com a pergunta, vem a dúvida. Com a dúvida, a hesitação. E quando hesitamos, paramos. E, pela última vez, parar é morrer. E para morrer, há muita gente.
Então? Então escrevo um aviso para quem quiser ler, depois adormeço outra vez e sonho outra vez e corro o mais depressa que puder.

Ai de mim se me entristeço. A tristeza faz acordar. A depressão faz perder a capacidade de tornar a adormecer. E isso é parar.

Sonha e descobre onde os sonhos te podem levar :)

quarta-feira, 3 de março de 2010

Sentir cada nota da vossa pele e cada carícia da vossa voz como uma nuvem perfeita onde me embalais as lágrimas. Tenho fome do momento em que saís da indefinição do futuro e vos juntais a mim numa infinidade de presentes. Sei que vos amo porque sou feliz convosco na imaterialidade do pensamento hipotético. Escapamos ao tempo e ao espaço e estamos numa dimensão só nossa, onde as almas se perdem e os corpos se encontram sem consciência de nós.
A minha vida por vos ver.
O golpe de misericórdia neste coração de mortal que bate fraquejante, por mal conter um amor que ecoa desde a distância gelada da inexistência. Existísseis, o vosso toque ao mundo acordaria todas as coisas e floresceriam todas as primaveras de todos os tempos em todos os lugares. Render-se-ia, contente, este corpo no vosso colo. Morreria contente pela seda morna do vosso beijo.

E era assim que se rendia o eterno pelo momentâneo, a totalidade da memória histórica pela imemorialidade do instante etéreo. Era assim trocar o extremo para que se dirige uma vida por aquele que se nos é entregue pelo acaso. Opostos em particular e, por fim, iguais.

Sonhar os dois, fingir que se escolhe um, desistir de nenhum.
A beleza é agora.

Descobre a parte de ti que existe noutra pessoa :)