terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Hoje queria estar triste, tudo vos soa melhor quando se está triste. Quando se está triste ou chateado, tudo se escreve com a frescura de um tabefe, repercutindo-nos na imensa vastidão do universo, e que até parece que se é o que quer que seja.

Não, não me enganei. Tudo vos soa melhor, a vós. Sim, a ti, "caro leitor".

Tenho o mais pleno direito, se é isso que te estás a perguntar.
Ora, mas que caraças... Com certeza que, noutra qualquer situação dos dias de nosso senhor, te sentirias tentado, se não me conhecesses já, a dizer-me que não estivesse triste, que há o cancro e o negrume e a guerra e a fome e as pulgas e tudo o resto que este mundo cria para infernizar a vida a quem elas mordem, para morder o juízo a quem está quieto no seu canto só porque não teve a sina de ter os maiores problemas do mundo.

Aí, já te servia a comparação, não é? Pois então, se a minha tristeza se deve perder na obrigação que me impõe a desgraça dos outros de ser feliz, porque carga de sumo não haverá a tua de se urinar pelo manto negro abaixo e evaporar-se no suave fuminho etéreo da felicidade ao ler a minha?

Deixando de parte as vossas dúvidas existenciais acerca do "nos" e do "vos", a vossa incapacidade de ver para além da inexistente gralha ortográfica que o vosso inconsciente quis imputar ao autor deste textículo (só porque gostei do trocadilho totalmente despropositado e quase ordinário), continuemos. Se não me entenderdes, sugiro, ainda que desesperançado, que volveis a ler tudo desde o início, com um olho no espelho e o outro no vosso reflexo, com um ouvido nas minhas palavras e o outro nas do vosso subconsciente. Se, como é de esperar, não conseguistes, deixar-me-ei de falar de jibóias abertas e fechadas a quem não as vê. Raio de mentes tacanhas, as vossas...

Seja como for, tudo vos soa melhor quando se está triste.
Porque quando se está triste ou chateado, as emoções são fortes, o peito inflamado, o juízo embriagado. A língua solta-se e a pulsação aumenta e ficam pequenas nuvens negras sobre a cabeça que soltam trovões ou chuva, ou ambos, conforme se se está chateado ou triste, ou ambos.

E perguntais vós se, quando se está contente ou apaixonado, as emoções não são igualmente fortes, o peito igualmente inflamado e o juízo igualmente embriagado. Se a língua também não se solta e a pulsação não aumenta e não fica um céu límpido sobre a cabeça que solta raios de sol ou luz das estrelas, ou ambos, conforme se se está contente ou apaixonado, ou ambos.

Mas é claro!
E inquiris vós, então, porque vos soa tudo melhor quando se está triste, se tudo tem o mesmo valor quando se está contente, se tudo se escreve também com a frescura de um beijo, repercutindo-nos na vastidão do universo, e que até parece que somos o que quer que seja?

Agora, para aqueles de vós que não perceberam à primeira, não faz mal.
Porque contente ou apaixonado, também se escrevem coisas bonitas, que também soam bem. Mas aí, eu tenho melhor que faça que escrever.

Por isso é que tive que fingir chatear-me convosco por uma ninharia.

Um texto é uma sala de palavras que se remetem e moldam umas à outras, como milhares de espelhos deformados. Como numa sala com milhares de espelhos deformados, tudo depende do ponto de que se vê, e esse ponto muda de cada vez que muda o observador.

Mais uma vez, DESCOBRE-TE :)

5 comentários:

'stracci disse...

Não, mas continuo na demanda! :P

#

Adorei as últimas frases! O que é certo é que, quando escrevemos um texto, muitas vezes não temos noção do quão distorcido ele surgirá na interpretação de quem o lê. E é aí que está a piada: no desafio que, mesmo sem querer, colocamos às mentes alheias.

S* disse...

A pouco e pouco... a descoberta é linda e constante.

M. disse...

Tudo soa melhor quando se está triste. Concordo. Talvez porque a alegria nada ensina, não estimula, não dá nada passivel de não ser depois tirado. Já a tristeza é mais sincera, tão honesta que a pomos na nossa pele, transpomos para nós tal infelicidade e reagimos consoante a vemos. Creio...
Gostei.
Obrigada pelos comentários no Retrato de Vida!

NUMEROLOGIA E PROSPERIDADE disse...

O que mais se vê são doenças psicológicas. É daí que essas igrejas deitam e rolam e se vangloriam de milagres.
beijo grande.

m disse...

É o típico «só se dá valor quando se perde», ainda que hipoteticamente. Pois de certa forma, é quando temos o «mundo inteiro nas nossas costas» que vemos as situações de outros prismas, e que todos os sentimentos que possamos, por ventura, sentir começam a ganhar contornos mais... pesados (?). É uma situação curiosa, ainda que contraditória...
Beijinhos

ps: muito bom blog!!