terça-feira, 1 de junho de 2010

Era uma vez uma história.
Era uma vez muitos sonhos que viviam muito felizes dentro de um pequenino corpo, roliço e rechonchudo. Às vezes acordavam, levantavam-se de mansinho e, pé ante aveludado pé, contornavam as duas grandes avelãs e flutuavam pelo ar, invisíveis a quem não procurasse o brilho encantado que deixavam nos olhos do pequenote. Depois, iam até ao espaço, desenhavam-se nas estrelas e vestiam fatos de astronauta com capacete e tudo. Mas mantinham-se longe do Sol, para não se queimarem. Um sonho queimado é um problema gravíssimo!
Aprendiam os nomes dos planetas e sabiam quais eram os mais bonitos e quais os mais feios. Ficavam longe do Vénus, que tinha um ácido no ar que lhes estragava o cabelo e os dentes, e também (por algum motivo) nunca iam a Marte, mas gostavam muito de ir à Lua e ficar a ver a Terra de cima. Então, aprendiam os nomes dos países e sabiam que podiam ver a muralha da China, mesmo que nunca tenham tido tempo de a ver.

Depois chovia, e eles apanhavam boleia e riam muito alto ao bater nas bochechas gordas. De vez em quando, numa gota de chuva mais pesada, caíam com muita força nos olhos e aleijavam-se. Então, escorregavam dos olhos para as bochechas gordas e ficavam muito, muito tristes e choravam muito, mas depois passava.

Uma vez, encontraram uma luzinha com um brilho muito bonito. E ela cheirava a areia molhada na pele, a sumo de pêra bebido de um copo, com as duas mãos, falava de um sorriso tímido e um estalo de beijinho quente na bochecha.
Então, de cada vez que iam ao espaço, todas as estrelas eram aquela luzinha, todos os planetas tinham aquela areia, mas seca, que não há água nos outros planetas – e os sonhos bem sabiam como às vezes tinham sede. E, quando tinham sede, lembravam-se do suminho de pêra fresquinho e, antes de ir para casa bebê-lo, sentavam-se na Lua, um bocadinho. Era como se a luzinha estivesse ali, para lhes dar a mão e mostrar onde era, afinal, a muralha da China. Na pouca gravidade da Lua, sentiam o peso de uma pequenina cabeça sobre o ombro, o calor do Sol como um beijinho tímido na bochecha. E diziam – quando for mais crescido, vou fingir que já não venho ao espaço, porque eles não acreditam nessas coisas, e que não sei que caminho seguem as coisas. Vou brincar com eles para que me levem a sério. Um dia, quando tiver idade para que me levem a sério, vou ser o rei do universo, só para poder reservar um lugar para ti aqui, comigo, na Lua. Quando tiver idade, vou a Marte – porque é ridículo uma criança pequena saber dizer que vai amar alguém. Não é?

É quando vejo quanto cresci que espero estar à altura do que já fui. O plano, esse, mantém-se.

2 comentários:

graziela disse...

Te vi no Singularidades.

Oi.

O que significa défict de atenção para ti?

fiquei curiosa.

(ser tipo fulaninha, não ter sido amamentada na infância são explicações compreensíveis, não entendi pq dda entrou na lista)

fala, que eu escuto...

Barbara disse...

Há no texto uma virtude muito pouco encontrada - a inocência .
Não falo de ingenuidade, não.
Falo da inocência, que permite todo o Sistema Solar e mais o que se queira - em terra ou não.
Fez bem te ler.